terça-feira, 4 de setembro de 2007

Rabicho da Geralda

O RABICHO DA GERALDA
(Quixeramobim, Ceará, 1792, segundo informação do pranteado historiador cearense, Antônio Bezerra de Menezes, que guardava O rabicho da Geralda entre os seus papéis)


Sou o boi liso, rabicho,
Boi de fama, conhecido,
Minha senhora Geralda
Já me tinha por perdido.

Era minha fama tanta,
Nestes sertões estendida...
Vaqueiros vinham de longe
Pra me tirarem a vida.

Onze anos morei eu
Lá na serra da Preguiça,
Minha senhora Geralda
De mim não tinha notícia.

Morava em cima da serra,
Naqueles altos penhascos,
Só davam notícias minhas
Quando me viam os rastos.

Ao cabo de onze anos
Saí na Várzea do Cisco,
Por minha infelicidade
Por um caboclo fui visto.

Quando o caboclo me viu
Saiu por ali aos topes,
Logo foi dar novas minhas
Ao vaqueiro José Lopes.

Quando o caboclo chegou
Foi com grande matinada:
- Oh! José Lopes, eu vi
O rabicho da Geralda.

Estava na Várzea do Cisco
C’um magotinho de gado,
Lá na pontinha de cima,
Onde entra pra talhado.

José Lopes chamou logo

Por seu filho Antonio João:
"Vá buscar o barbadinho,
"E o cavalo tropelão."

Diga ao senhor José Gomes
"Que traga sua guiada"
venha pronto pra irmos"
Ao rabicho da Geralda".

Chegados eles que foram,
Montaram, fizeram linha,
A quem eles encontravam
Perguntavam novas minhas.

Encontrando Zé Tomás,
Que vinha lá da Queimada...
"Camarada, dá-me novas"
Do rabicho da Geralda?"

- Ainda mesmo que eu visse,
Eu não daria passada,
Pois será muito o trabalho,
E o lucro não será nada.

- Não senhor, meu camarada,
A coisa está conversada:
A dona mesmo me disse
Que desse boi não quer nada.

Uma das bandas e o couro
Fica pra nós de bocório;
A outra vai se vender
Pras almas do purgatório.

Despediram-se uns dos outros,
No carrasco se internaram,
Cacaram-me todo o dia
Porém não me alcançaram.

Deram de marcha pra casa,
Já todos mortos de fome,
Foram comer um bocado
Na casa do José Gomes.

Passados bem cinco dias,
Estando eu na ribanceira,
Quando fui botando os olhos,
Vejo vir Manuel Moreira.

Um dos vaqueiros de fama
Que naquele tempo havia,
Que muita gente supunha
Só ele me pegaria.

Olhei para o outro lado,
Para ver se vinha alguém:
Divisei Manuel Francisco
E seu sobrinho Xerém.

Fui tratando de correr
Pelo lugar mais fechado,
Quando o Moreira gritou-me
Aos pés juntos, enrabado,

Corra, corra, camarada,
Pise seguro no chão,
Que hoje sempre dou fim
Ao famanaz do sertão.

Tiremos uma carreira
Assim por uma beirada;
Eu mesmo desconfiei
Do rabicho da Geralda.

Mais adiante pus-me em pé
Para ver o zuadão:
Enxerguei Manuel Francisco
Caído num barrocão.

Estive ali muito tempo,
Ali posto e demorado;
A resposta que me deram
Foi dizer: vai-te malvado!

Toda vida terei pena
De correr atrás de ti;
Bem me basta minha faca,
E minha esposa que perdi!

Daí seguiu para trás
Ajuntando o que era seu,
E juntamente caçando
O Xerém, que se perdeu.

Nesse tempo tinha ido
A Pajeú ver um vaqueiro;
Dentre muitos que lá tinha,
Viera o mais catingueiro.

Este veio por seu gosto,
Trazendo sua guiada,
E desejava ter encontro
Com o rabicho da Geralda.

Chamava-se Inácio Gomes,
Era cabra curiboca,
O nariz achamurrado
Cara cheia de pipoca.

Na fazenda da Concórdia,
Chegou ele a uma hora;
Muita gente já dizia:
O rabicho morre agora.

Dizia que pra matar-me
Não precisava de mais:
Bastava dar-me no rasto
De oito dias atrás.

Deram-lhe então um guia
Que bem soubesse do pasto,
E que também conhecesse
Dentre todos o meu rasto.

Onze dias me caçaram
Com grande empenho e cuidada:
Não puderam descobrir
Nem novas e nem mandado.

Passados os onze dias
Lá no Riacho do Agudo,
Quando fui botando os olhos,
Vi o cabra topetudo.

Disse o guia me avistando:
- Venha ver, meu camarada,
Eis ali o boi de fama,
O rabicho da Geralda.

Bem cedo, ao sair do sol,
Vimo-nos de cara a cara,
E nos primeiros arrancos
Logo lhe caiu a vara.

Ele disto não fez caso,
Relho ao cavalo chegou
E em poucas palhetadas
Bem pertinho me gritou:

- Corra, corra, camarada,
Puxe bem pela memória
Que não vim da minha terra
Para vir contar estória.

Gritou-me da outra banda
O senhor guia também:
- Tu cuidas que sou Moreira,
Ou seu sobrinho Xerém?

Tinha um pau atravessado
Na passagem dum riacho:
O cabra passou por cima
E o cavalo por baixo.

Segui a meia carreira,
No meu correr costumado,
E antes de meia légua,
Ambos já tinham ficado.

Pôs-se o cabra topetudo
A pensar o que faria,
E quando chegasse em casa
Que estória contaria!...

Na fazenda da Botica
Tinha gente em demasia,
Esperando ter notícia
Do rabicho nesse dia.

Perguntou José de Góis,
Morador no Carrapicho:
- Amigo, seja benvindo!
Dá-me novas do rabicho?

- Eu o vi, mas não fiz nada,
Pois nunca vi correr tanto,
Como esse boi, o rabicho,
É coisa que causa espanto!

- Nesta terra eu não vejo
Quem o pegue pelo pé,
Aquele morre de velho
Ou de cobra cascavel.

Respondeu José de Góis,
Morador no Carrapicho:
- Eu pelos olhos conheço
Quem dá voltas ao rabicho.

- Já anda em dezoito anos
Que Zé Lopes o capou,
Era ele então garrotinho,
Por isso foi que pegou.

Foi-se o cabra topetudo
E não sei se lá chegou,
Só sei é que ele foi
Com os beiços com que mamou.

Chega enfim - noventa e dois -
Aquela seca comprida;
Logo vi que era a causa
De eu perder a minha vida.

Secaram-se os olhos d’água,
Não tive onde beber,
E botei-me aos campos grandes
Já bem disposto a morrer.

Desci por uma vereda
E disse: esta me socorra;
Quando quis cuidar em mim
Estava numa gangorra.

Fui à fonte beber água,
Refresquei o coração!
Quando quis sair não pude,
Tinham fechado o portão.

Corri logo a cerca toda
E sair não pude mais:
Quem me fez prisioneiro
Foi apenas um rapaz.

Este saiu às carreiras,
E, vendo um seu camarada,
Gritou logo: já está preso
O rabicho da Geralda.

Espalhando-se a notícia,
Correram todos a ver,
E vinham todos gritando:
O rabicho vai morrer!

Trouxeram três bacamartes,
Todos três me apontaram,
Quando dispararam as armas,
Todas três me traspassaram!

Ferido caí no chão!
Saltaram a me pegar
Uns nos pés, outros nas mãos,
Outros para me sangrar!

Disse então um dentre eles:
- Só assim, meu camarada,
Nós provaríamos todos
Do rabicho da Geralda

Assim findo-se este drama,
Tudo assim se findará,
Como este boi, nesta terra
Não houve, nem haverá.
(Carvalho, Rodrigues de. Cancioneiro do norte)

Retirado de Jangada Brasil - http://www.jangadabrasil.com.br/agosto36/cn36080a.htm
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